Acabo de ler uma notícia que disse que um casal de lésbicas em São Paulo perdeu o direito de registrar os filhos gêmeos com os nomes das duas mães nas certidões de nascimento (Explico: as crianças foram geradas no útero de uma e com o(s) óvulo(s) da outra, tendo a ajuda de um doador de sêmen anônimo, claro).
A notícia não menciona por que o juiz negou o tal pedido (que a meu ver pareceu um pouco inusitado), mas em poucas horas a notícia rendeu quase 300 comentários dos assinantes do Globo Online, mesmo não tendo sido colocada em um lugar de muito destaque na página. Sucessos de leitura e de comentários como essa notícia acabou tendo, só mesmo aquelas que relatam catástrofes internacionais ou que tratam de um assuntinho que em pleno 2009 continua sendo tabu pra muita gente, como é o caso desta: sexo (titio Freud deve estar se revirando no túmulo e gritando: "Eu avisei! Eu avisei!" :P).
Lendo algumas dezenas de postagens dos assinantes, percebi que o espaço reservado pros comentários sobre a tal notícia virou um verdadeiro ringue de vale tudo: de um lado os fundamentalistas religiosos e os moralistas, pregando a abominação da empreitada das duas mulheres; e, do outro, a galera mais "prafrentex", homossexuais ou não, defendendo o direito de registro das duas mães. O que aparentemente não passava de uma decisão meramente técnica (ter ou não ter dois nomes escritos, em vez de um, numa determinada linha de um documento), em poucos minutos ganhou ares de "campanha neonazista versus movimento GLBT", o que acabou me preocupando e me inspirando a sair de cima do muro temporariamente e escrever sobre o assunto.
Homossexual desde que me entendo por gente, nunca fui de levantar bandeira a favor ou contra coisa alguma (e como o armário é meu, sempre me reservei o direito de entrar e sair dele a hora que eu bem entendesse, não dando muita trela pra essa tendência mundial de "outing" compulsório e quase obrigatório). Entretanto, tenho que reconhecer que é graças ao empenho dos grupos organizados e engajados que as minorias conseguiram e ainda conseguem conquistar o seu espaço a duras penas na nossa sociedade, trazendo benefícios tanto para gays e lésbicas quanto para mulheres e negros, e assim por diante.
No fim das contas, é como se houvesse um verdadeiro cabo-de-guerra invisível que obrigasse uma reação social por parte das minorias tão ou mais forte que o preconceito existente contra elas. E nesse jogo de puxa daqui e estica dali, aqueles que não sofrem diretamente com nenhum tipo de discriminação social acabam tendo a sensação de que determinadas atitudes de alguns grupos são simples caprichos de quem "quer subverter a ordem natural das coisas" ou exageros de quem "quer se tornar mais importante que os demais a qualquer custo" (a questão do casamento gay e a das cotas raciais nas universidades que o digam!).
Estou certo de que a partir do momento em que o mundo se tornar espontaneamente mais democrático e justo, tais "caprichos" e "exageros" tenderão a desaparecer naturalmente, só restando aqueles que de fato forem considerados relevantes para a sociedade como um todo. O cabo-de-guerra estaria assim terminado e os times adversários largariam a corda e poderiam então se cumprimentar amigavelmente, como sempre fazem os atletas de mente evoluída.
Mas enquanto esse dia não chega, ainda não foi inventada nenhuma maneira mais eficaz que garanta a igualdade de direitos das minorias do que a boa e velha hiperexposição de seus problemas e anseios. Num mundo governado menos pelo "penso, logo, existo" e mais pelo "sou visto, logo, existo", o simples fato de se discutir a pertinência dos nomes de ambas as mães nas certidões dos gêmeos já é indício de evolução de pensamento. Parabéns às duas mulheres pela tentativa, ao juiz pelo veto e às centenas de comentários contra ou a favor delas. Todos foram personagens importantes dentro de uma história que certamente vai render bons frutos no futuro.